Políticas públicas de e-Governo e e-Democracia

o caso do Uruguai à luz do Modelo de Fluxos Múltiplos

Políticas Públicas de Gobierno Electrónico y Democracia Electrónica

el caso de Uruguay a la luz del Modelo de Flujos Múltiples

Resumo

O Uruguai vem apresentando destaque internacional pelo seu desempenho em governo eletrônico e democracia digital. Este artigo analisa o desenvolvimento da política pública de e-governo e e-democracia uruguaia, no período de 2005-2019. A análise se fundamenta no Modelo dos Fluxos Múltiplos, que consiste na identificação e acoplamento do fluxo de problemas, soluções e político, almejando descrever o processo de mudança e inserção de problemas na agenda pública. Considera-se que, um e-governo com alto grau de maturidade é condição necessária para o desenvolvimento da e-democracia. Os resultados da pesquisa mostram que o caso do Uruguai respalda tal hipótese. A análise revela a convergência de: i- Problemas técnico-sociais reconhecidos pelo executivo no início e decorrer do governo do Frente Amplo, especificamente: a brecha digital, a perda de credibilidade e fissuras na institucionalidade democrática, e o baixo desempenho do governo digital e consequentemente da e-democracia; ii- soluções com viabilidade técnica e política, especificamente: criação da AGESIC, o Plano CEIBAL, e o Plano de ação de governo aberto; iii- um humor político nacional propício para reformas, notadamente: três ciclos políticos onde a pauta de governo digital foi prioridade e a maioria no Senado e na Câmera. Por fim, é destacado o papel dos empreendedores políticos, Tabaré Vázquez e José Clastornik, como acopladores dos três fluxos e canalizadores das “janelas de oportunidade” para a mudança e inovação política no âmbito do governo eletrônico e democracia digital.

Palavras-chave: E-governo. E-democracia. Políticas Públicas. Uruguai. Modelo de Fluxos Múltiplos.

Resumen

Uruguay viene presentando destaque internacional por su desempeño en gobierno electrónico y democracia digital. Este artículo analiza el desarrollo de la política pública de e-gobierno y e-democracia uruguaya, en el período de 2005 a 2020. El análisis está fundamentado en el Modelo de Corrientes Múltiples, que consiste en la identificación y “acoplamiento” de las corrientes de problemas, soluciones y políticas, con el propósito de describir el proceso de cambio e inserción de problemas en la agenda pública. Se adopta la hipótesis de que un e-gobierno con alto grado de madurez es condición necesaria para el desarrollo de la e-democracia. Los resultados de la investigación muestran que en el caso uruguayo se cumple tal hipótesis. El análisis de política revela la convergencia de: (i)- problemas técnicos y sociales reconocidos por el ejecutivo; (ii)- soluciones con viabilidad técnica y política; y (iii)- un clima político nacional propicio para reformas. Finalmente, se destaca el papel de los empresarios políticos como acopladores de flujos y canalizadores de “ventanas de oportunidad” para la innovación y cambio político.

Palabras Clave: E-gobierno. E-democracia. Políticas Públicas. Uruguay. Modelo de Corrientes Múltiples.

Introdução

O governo eletrônico como tema e prática tem ocupado um importante espaço no âmbito das reformas dos Estados latino-americanos, tanto na modernização da gestão pública, quanto na relação Estado-cidadania. O e-governo refere-se ao uso intensivo que as instituições governamentais fazem das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), nas relações que o Estado mantém com os cidadãos e empresas, e nas relações dos diversos níveis do setor público. A literatura aponta três dimensões do e-governo: prestação de serviços (e-administração), ampliação dos processos democráticos (e-democracia) e, dinamização dos processos de elaboração de políticas públicas (e-governança).

O presente artigo aborda a relação entre o processo de desenvolvimento do e-governo e da e-democracia no contexto das políticas públicas no Uruguai. A escolha do país justifica-se pela necessidade de limitar o objeto de estudo, e também pela observada melhora no desempenho do governo digital na última década e seus desdobramentos no âmbito da democracia eletrônica. Além disso, o país conta com uma institucionalidade funcional à implementação da e-democracia: sistema presidencialista e bicameral; estabilidade política e uma expressiva classe média (em torno de 75% da população).

Neste sentido, o objetivo geral do estudo é analisar o desenvolvimento da política pública de governo digital do Uruguai no período de 2005 a 2019. Especificamente, interessa captar como e quando as pautas e iniciativas de e-democracia foram se inserindo na estratégia de política de e-governo. Parte-se da hipótese que, para o desenvolvimento do engajamento e da participação eletrônica ativa (motores da e-democracia) é condição necessária a presença de e-governos com alto grau de maturidade.

Optou-se pela realização de uma análise de políticas públicas. Nessa lógica, Araujo e Rodrigues (2017) indicam que tais análises devem ser capazes de responder algumas perguntas, por exemplo: Como foi surgimento e o desenvolvimento da política? Como e quando apareceram os problemas públicos e como se deu sua inclusão na agenda? Quais foram as soluções e seu contexto? Qual o cenário e atores envolvidos na tomada de decisão? De que forma o ambiente político influência as políticas públicas? E, quais os resultados e desdobramentos das políticas públicas analisadas?

Para o desenvolvimento desta análise, adotou-se o Modelo dos Fluxos Múltiplos (MFM) do Kingdon (2014). Trata-se de uma teoria de médio alcance, que procura explicar o processo pelo qual problemas são transformados em pautas da agenda de política pública. Tal abordagem é idónea para estudos de casos nacionais e sua estrutura consegue apreender os elementos de análise mencionados acima. Além disso, esta pesquisa é relevante pela escassez de análises que utilizem o MFM no âmbito da literatura de políticas públicas latino-americana (SANJURJO, 2020).

O artigo será estruturado da seguinte maneira: primeiro, é apresentada uma seção teórica que aborda os principais conceitos basilares a serem utilizados na análise. Na mesma seção é discutido o Modelo dos Múltiplos Fluxos e algumas das suas aplicações e implicações. Na segunda seção são discutidos os procedimentos metodológicos do estudo. Na terceira parte é efetuada a aplicação do modelo para análise das políticas junto com a análise das agendas. Por último, são apresentadas as considerações finais do artigo.

Espera-se que, além de contribuir com o déficit detectado na literatura latino-americana no uso do MFM, o estudo consiga aportar respostas à questão levantada por Criado e Gil-García (2013) sobre como produzir abordagens de pesquisa em e-governo, que sejam atuais, renováveis e reutilizáveis para a comparação de casos por países?

1. Revisão da literatura

1.1 Conceitos basilares: abordando o e-governo

O avanço das reformas administrativas dos Estados Latino-americanos impulsou o governo eletrônico (e-governo, e-government, e-gov, governo digital) como tema e prática na região. Essencialmente, o e-governo se resume na procura de “fins públicos por meios digitais” (NASER; CONCHA, 2011). A ideia de e-governo abarca tanto a modernização da gestão pública, quanto a relação Estado-cidadania (CHAHIN et al., 2004; CARTER; BELANGER, 2005).

Embora não haja uma “única” definição, o e-governo pode ser entendido como o uso intensivo que as instituições de governo fazem das TICs, tanto nas relações que o Estado mantém com os cidadãos, usuários e setor privado, quanto nas relações internas em diversos níveis do setor público (FINQUELIEVICH, 2005; CHUNG, 2009; TWIZEYIMANA; ANDERSSON, 2019). Entre os principais benefícios e impactos positivos do e-governo destacam-se a eficiência nos serviços públicos, a transparência governamental, e processos públicos mais democráticos (NASER; CONCHA, 2011; SEIFERT; CHUNG, 2009; SNELLEN, 2007).

A literatura aponta três dimensões gerais do e-gov: prestação de serviços ao cidadão (e-administração), ampliação dos processos democráticos (e-democracia) e, dinamização dos processos de elaboração de políticas públicas (e-governança) (SANCHEZ, 2003; SNELLEN, 2007; BINDU; SANKAR; KUMAR, 2019). Entretanto, como o e-gov não é um processo neutro, nem linear, e envolve relações de poder, seus impactos também podem ser negativos (SOETE; WEEHUIZEN, ٢٠٠٤).

Por outro lado, considera-se maturidade do e-gov como o grau de complexidade que a proposta vai adquirindo no seu desenvolvimento (NASER; CONCHA, 2011). Assim, um dos indicadores mais utilizados é o e-Government Development Index (EGDI) das Nações Unidas (ONU) que mede o grau de avanço das iniciativas. Contudo, o desenvolvimento do e-gov pode ser analisado em base a: interação com indústria de TICs (DUNLEAVY et al., 2006); alocação de recursos em relação a prioridades da agenda pública (WEST, 2005); e, por modelos de estágios de maturidade (ANDERSEN; HENRIKSEN, 2006; CEPAL, 2011).

A evidência internacional levantada por Krishnan, Teo e Lim (2013), sugere que países com alto grau de maturidade de e-governo apresentam os melhores indicadores de e-participação. Por conseguinte, é plausível considerar que a e-democracia é um processo derivado ou, no mínimo, dependente do desenvolvimento e maturidade das iniciativas de e-governo. Este argumento fundamenta, em parte, a abordagem da presente pesquisa, partindo do pressuposto que há uma indivisibilidade entre e-gov e e-democracia.

Segundo Freeman e Quirke (2013), a democracia eletrônica está embutida no ecossistema representado pelo e-governo. Os autores esclarecem que, embora existam iniciativas de e-democracia que operam separadamente1 do e-governo, sua capacidade de influência sobre a agenda e tomada de decisão política é limitada se comparadas com as iniciativas comandadas pelo Estado. A Figura 1 ilustra os níveis de engajamento digital em iniciativas comandadas pelo Estado.

Figura 1 – Relação entre e-governo e e-democracia: formas de engajamento lideradas pelo Estado

Fonte: Elaboração própria (2020) com base em Freeman e Quirke (2013)

Na medida que o e-gov aumenta a maturidade, as iniciativas de participação aumentam seu grau e forma de interação. Mesmo quando alguns governos incorporam sistemas de e-consulta, o engajamento pode ser limitado porque a comunicação se torna unidirecional. Num estágio avançado de maturidade, espera-se que surjam iniciativas de participação ativa, capazes de impactar a tomada de decisão política.

À vista disso, considera-se que, além da indivisibilidade entre e-gov e e-democracia, existem diferentes formas de interação e objetivos entre ambas esferas e atores envolvidos nestes processos. Consequentemente, uma análise de política pública de governo e democracia digital precisa distinguir claramente o uso das TICs em relação à finalidade específica de cada forma de engajamento (FREEMAN; QUIRKE, 2013).

1.2 Conceitos basilares: abordando a e-democracia

Genericamente, a “democracia eletrônica” (e-democracia) ou “democracia digital” refere-se ao uso e incorporação de TICs em debates políticos e processos de tomada de decisão, complementando ou contrastando os meios tradicionais de comunicação, como a interação face a face ou meios de comunicação de massa unilaterais (COLEMAN; NORRIS, 2005; HENDERSON; HOGARTH, 2007; LINDER; AICHHOLZER, 2020). Especificamente, a e-democracia visa um maior engajamento dos cidadãos e diversos atores da esfera pública na utilização de meios eletrônicos e digitais nos processos de deliberação e participação (NCHISE, 2012;). Neste sentido, trata-se de um paradigma relativamente novo no âmbito da pesquisa no campo de públicas e na própria esfera da práxis política.

No marco das democracias representativas, principalmente ocidentais, observa-se uma crise de legitimidade política que se manifesta na desconfiança pública no governo, no baixo nível de participação pública na vida cívica e, no “cinismo” público em relação às instituições políticas e governança (CHENG; HUANG; HSIAO, 2006; OFFE, 2011). Nesta lógica, Oni et al. (2016) identificam na e-democracia o potencial de reduzir a brecha entre cidadãos e representantes mediante processos democráticos mais inclusivos e transparentes.

A dimensão da e-participação é considerada como uma das principais formas de instrumentalização da democracia digital (LINDNER et al., 2016). De acordo com Kim e Lee (2012), a satisfação e confiança dos e-participantes com a capacidade de resposta do governo está fortemente relacionada com a percepção de influência sobre a tomada de decisão política. O mesmo estudo aponta que tal percepção de influência depende da avaliação dos cidadãos sobre a transparência governamental. Assim sendo, quando há diversificação de opções de e-participação combinado com mecanismos digitais de accountability, os nivel de confiança cidadã na capacidade de resposta governamental pode ser influenciado positivamente.

Segundo Clift (2003) a e-democracia pode ser mapeada através de “setores democráticos” embutidos nos processos políticos que ocorrem no âmbito de comunidades locais, estados / regiões, nações e no cenário global. Um modelo robusto de democracia digital incorpora pelo menos seis componentes no processo da ação pública (SHIRAZI, 2009). Tais componentes são: (i)- TICs; (ii)- e-cidadãos; (iii)- governo; (iv)- mídia; (v)- grupos sociais; vi- setor privado. No cerne desse modelo estão os e-cidadãos, ou seja, os indivíduos que usam as TICs para participar dos processos de democratização.

Entretanto, diversos autores tem procurado criar modelos para classificar as iniciativas de democracia digital (BELLAMY, 2000; PÄIVÄRINTA; SÆBØ, 2006; DAHLBERG, 2011). Usualmente os modelos de e-democracia são definidos com base no grau de protagonismo dos atores políticos na agenda, no papel do cidadão na tomada de decisão e no rol das TICs no processo democrático. Constantes mudanças na agenda, nos valores e nas crenças dos atores no sistema político podem dificultar a conceituação e classificação tipológica de um processo de democracia digital. A continuação o Quadro 1, sintetiza o modelo proposto por Van Dijk (2012) com os seis tipos de e-democracia ideal, sua principal característica política e o papel das TICs no processo:

Quadro 1: Tipos de e-democracia, características e papel das TICS no processo

Tipo de

E-democracia

Característica

Papel das TICs

Eficiência

Legalista

A visão processual clássica do tipo ocidental da democracia, conforme definida pela constituição e outras leis básicas.

Melhorar o fornecimento de informações por meio de medidas adequadas e recuperação de informações pelos cidadãos

Competitiva

Partidos e líderes competindo pelo eleitorado, com foco na representação e na tomada de decisão eficiente.

Difusão de informações e campanhas eleitorais

Liberal

Compartilha alguns pontos de vista com as visões pluralista e plebiscitária e se concentra na política autônoma dos cidadãos em suas próprias associações.

Relevante em suas funções de rede para os indivíduos, sobretudo para o compartilhamento de conteúdo gerados por eles mesmos. Também serve de ponte entre a política institucional e a experiência individual dos atores.

Inclusão

Pluralista

A diversidade de atores em processos políticos e discussão é visto como o mais importante, combinando práticas de democracia direta e representativa.

Ampliar a oferta digital de discussões e debates, principalmente mediante a mídia online. As TICs como mecanismo para o intercâmbio aberto e livre sobre questões políticas.

Participativa

O foco é a promoção da cidadania ativa, a formação de opinião política em larga escala, com base no princípio de unir democracia direta e representativa.

São importantes para várias funções, desde debates públicos e educação a todos os tipos de participação, sendo o acesso para todos um valor

Plebiscitaria

Coloca formas de tomada de decisão democrática direta, como plebiscitos e referendos, no centro do palco.

São essenciais para a realização de pesquisas, referendos e discussões online.

Fonte: Elaboração própria (2020) com base em Van Dijk (2012)

A participação eletrônica pode assumir muitas formas diferentes. Por exemplo, os e-cidadãos podem utilizar as TICs para interagir com grupos sociais, órgãos governamentais, meios de comunicação e empresas privadas. As inciativas de participação digital tendem a fomentar o uso, a criação e disseminação de informações, geralmente o fim desejado é construir uma sociedade mais aberta e democrática (SHIRAZI, 2009; FLEW, 2005).

1.3 Interação entre e-democracia e políticas públicas

No ciclo de políticas públicas, a agenda é o conjunto de problemas ou temas entendidos como relevantes (DUNN, 2018; SECCHI, 2014). O estudo de Coelho, Cunha e Pozzebon (2017) procurou descrever as implicações da e-democracia sobre o ciclo de políticas públicas através do processo de e-participação. O resultado da pesquisa detectou uma importante lacuna na literatura, abrindo espaço para uma possível nova agenda de pesquisa. Normalmente a literatura não observa a e-democracia como um fim de política pública em si, mas um meio para tal.

Segundo Oni et al, (2014) a maioria dos países não tem uma agenda bem definida para a implementação da democracia digital. Na prática, a e-democracia aparece na agenda de e-governo como um objetivo a ser atingido e são raros os casos de agendas “explícitas” de democracia digital (ONI et al., 2014). Desta forma as iniciativas de participação eletrônica podem ser detectadas como inovações democráticas, incorporadas progressivamente com o avanço e maturidade do governo digital.

Com base no Smith (2009), consideram-se inovações democráticas aquelas instituições políticas construídas no intuito de ampliar e melhorar a participação cidadã nos processos decisórios. Entretanto, a emergência de inovações na esfera pública não resulta de um processo mecânico, mas da interação de atores e forças políticas. Como aponta Kon (2019) nem sempre o objetivo das mudanças é atingir melhores resultados de desempenho institucional, mas melhoras na legitimidade política.

Para Lindner et al, (2016) o estilo de política de e-democracia implementado de cima para baixo incorpora políticas públicas que são iniciadas, organizadas, implementadas ou patrocinados por governos (top-down); enquanto as políticas formuladas de baixo para cima (buttom-up) são atividades iniciadas ou realizadas por cidadãos e atores da sociedade civil. No que diz respeito à operacionalização da e-democracia, Lindner et al, (2016) assinalam três níveis de interação: informação, comunicação (participação limitada) e colaboração (participação ativa).

Segundo Baumgartner e Jones (2010) o processo de políticas públicas envolve períodos de estabilidade e mudanças. A estabilidade retrata um sistema de políticas funcional ao status quo, onde há dificuldade de inserção de mudanças ou inovações políticas. Portanto, existe um “equilíbrio” no sistema até que algum acontecimento no ambiente consiga atrair a atenção dos atores “excluídos ou desinteressados”, desencadeando novos interesses e interpretações com potencial de mudança.

Na medida que os novos interesses ganham espaço e atenção nas diversas esferas institucionais, também cresce sua probabilidade de ser incluídos na agenda. Não obstante, isto não representa a subversão definitiva dos “monopólios” de políticas, porque o acesso à agenda não garante, a priori, grandes mudanças (DUMAS et al., 2015). Nesta pesquisa, considera-se que a política pública de e-democracia é o resultado da incorporação de pautas de participação eletrônica na agenda do e-governo.

Nesta lógica, o presente estudo abarca a compreensão do contexto e as razões pelas quais iniciativas específicas relacionadas ao e-governo e a e-democracia foram priorizadas na agenda de política pública no Uruguai. Esta análise requer a observação de atores, processos, problemas e todos os elementos necessários para entender o momentum das mudanças no sistema de políticas. A continuação descreve-se, teoricamente, o modelo de análise a ser utilizado para tal fim.

1.4 Descrevendo o Modelo dos Fluxos Múltiplos

O estudo e análise de políticas públicas envolve a necessidade de escolhas metodológicas consistentes com a natureza do fenômeno a ser estudado (SABATIER, 2007). Considerando que, a ação pública é desenvolvida em ambientes de incerteza política e de informação incompleta, faz se necessário o uso de abordagens com pressupostos realistas capazes de explicar, de forma sistemática, os diversos níveis de complexidade do processo decisório no contexto da política pública (KRAFT; FURLONG, 2019; TSOUKIAS, et al, 2013).

O Multiple Streams Framework ou Modelo de Fluxos Múltiplos (MFM) é uma metodologia para a análise de políticas públicas que focaliza o processo de formação da agenda pública, no intuito de explicar como e por que alguns problemas recebem atenção na areia política e acabam se inserindo na agenda pública (KINGDON, 2014; ZAHARIADIS, 2007). Segundo Cairney e Zahariadis (2016) o MFM assume pressupostos como: a racionalidade limitada dos players; incerteza, como resultado da ausência ou incompletude da informação; e, ambiguidade na tomada de decisões dos policymakers.

De modo geral, o MFM apreende o processo de tomada de decisão na política pública como decorrente da interação e convergência entre três fluxos dinâmicos: (i)- problemas, que podem ser detectados mediante indicadores, crises ou feedback de ações políticas em curso ou concluídas; (ii)- soluções (policies)2, que envolve as soluções a problemas, usualmente geradas desde comunidades de experts; e, (iii)- político (politics) que retrata o ambiente político nacional (national mood) observando as fações políticas organizadas e as mudanças no governo (KINGDON, 2014; SABATIER, 2007; CAIRNEY; JONES, 2016).

Neste sentido, os fluxos normalmente operam de forma independente um do outro, exceto quando uma “janela de oportunidade” permite que os “empreendedores de políticas” acoplem o curso dos fluxos (KINGDON, 2014; CARNEY; JONES 2016). O acontecimento de uma grande mudança de política dependerá deste processo de acoplamento (SABATIER, 2007). Em síntese, segundo Carney e Zahariadis (2016), no MFM, a conformação da agenda segue um processo “não linear”, mais ou menos caracterizado pelo surgimento e reconhecimento de um problema, a geração de ideias e alternativas pelos especialistas e diversos atores sociais, e por fim, um contexto político favorável ao empreendimento das ações.

Uma interpretação relevante para entender a utilidade do MFM é levantada pelo Dunn (2018), quem descreve o modelo como um processo de convergência simultânea (simultaneous convergence). O autor utiliza a metáfora do delta de um rio, com vários córregos convergindo e divergindo, todos em direção ao mar. Para entender o “resultado” final da desembocadura não bastaria apenas tomar uma amostra de água do mar, pois se perderia informação valiosa dos diversos “caminhos”.

Mas, observando todo o processo dos fluxos e sua estrutura, podem ser detectados os momentos “críticos” onde alguns dos fluxos convergem, criando canais que guiam o processo de tomada de decisão de forma “previsível”. A metáfora do Dunn, ilustra mais ou menos a complexidade do processo de formulação de políticas públicas. Na areia política, indivíduos e grupos interagem no tempo para definir agendas e formular políticas. Reconhecer o momento de convergência faz parte do desafio do analista.

1.5 Implicações e aplicações do MFM

Parte da literatura recomenda adaptações no MFM, o que representa, em termos lakatonianos, sugestões de “heurística positiva”. Entre as recomendações indica-se o uso do MFM para análises da fase de implementação das políticas (ir além do agenda-setting), introduzindo novos fluxos e complementando com outras teorias (ZOHLNHÖFER, 2016; HOWLETT, 2018; FOWLER, 2020); assim como a incorporação de novas variáveis como o “corretor de problemas” (KNAGGÅRD, 2015). Segundo Saetren (2016) para que as adaptações sejam viáveis no MFM, é necessário adotar um framework “integrativo”.

Por outro lado, Rawat e Morris (2016) observam que o MFM continua sendo amplamente usado para análises de política pública em diversos lugares do mundo (apesar do declínio na literatura política dos EUA). Isto se deve, fundamentalmente, à flexibilidade do modelo para o enquadramento de casos com diversas especificidades políticas, históricas e institucionais. Entre as principais críticas ao MFM destacam sua reduzida viabilidade de aplicação em pesquisas quantitativas e em sistemas políticos não democráticos (TRAVIS; ZAHARIADIS, 2002; NEILSON, 2001; ZOHLNHÖFER, 2016).

Pode-se dizer que o MFM é versátil e, em palavras do Sabatier (2007), “parece ser aplicável a uma ampla variedade de arenas políticas” (p. 9). Especificamente, no âmbito do e-gov e da e-democracia há poucos estudos que utilizam o MFM (RUVALCABA-GOMEZ, 2019). Alguns dos estudos analisaram o processo de desenvolvimento do e-governo (MELE, 2008; MELE, 2013; JAEGER; LOFGREN, 2010; LOFGREN, 2013; AQUINO; AVILA, 2014). Já no que diz respeito a análises de e-democracia, o foco é orientado ao governo aberto (FLESTROM, 2010; MEJABI et al, 2015; RUVACALBA-GOMEZ, 2019; RUVALCABA-GOMEZ; CRIADO; GIL-GARCIA, 2020). A maioria destes estudos são de caráter qualitativo, focados em estudos de casos de iniciativas nacionais ou locais, e normalmente o MFM é complementado com conceitos de outras teorias de política pública.

Segundo Sanjurjo (2020), América Latina é o continente com menos desenvolvimento teórico do MFM. O mesmo autor explica a necessidade de observar as particularidades das sociedades latino-americanas (Estados fracos e dependentes; desigualdade social; corrupção, entre outras) para um melhor aproveitamento do marco analítico dos fluxos múltiplos. Particularmente, no caso do Uruguai, as análises sob a ótica do MFM abordam temáticas como política armamentista, política de inteligência e segurança, legalização de drogas, entre outras (ÁLVAREZ, 2017; SANJURJO, 2018; REPETTO, 2014).

1.6 Conceitos complementares: o empreendedor político e as comunidades epistêmicas

No MFM, o conceito de policy entrepreneur faz referência a indivíduos situados em esferas influentes do governo, cuja principal característica consiste na defesa de ideias e na capacidade de perceber as “janelas de oportunidade” para conectar problemas e soluções no processo de mudança da política pública (KINGDON, 2014; CAPELLA, 2015; MINTROM; NORMAN, 2009). Normalmente, são experts com boa reputação, habilidades técnicas e de negociação, além de contar com popularidade política.

Os empreendedores políticos também são caracterizados por possuir acesso a recursos públicos e à esfera de tomada de decisões, sendo capazes de influenciá-la (JONES, et al., 2016). Apesar da centralidade destes atores no MFM, e sua capacidade de atuar no processo de “acoplamento” dos fluxos, os empreendedores e suas vontades individuais não controlam os processos de mudança no processo de políticas (KINGDON, 2014; CAPELLA, 2015).

Da mesma forma, no MFM se faz referência a grupos de especialistas que discorrem sobre soluções para os problemas detectados. Estes atores podem ser considerados “comunidades epistémicas” (CE) (HAAS, 1992). Trata-se de um conceito das relações internacionais que faz referência a grupos de experts envolvidos na definição da agenda, formulação e implementação de políticas (HOWLETT, 2018). Normalmente, o grupo é plural e composto por cientistas, ativistas políticos e outros, a depender da natureza do caso.

As seguintes características definem as CE: (i)- compartilham valores normativos e crenças causais semelhantes; (ii) usam ferramentas/abordagens semelhantes para validar ou refutar afirmações causais; (iii)- concordam sobre as práticas necessárias na prescrição de soluções. As CE ajudam a reduzir incertezas, e normalmente contam com o prestígio, treinamento e reputação que conforma o tipo de expertise valorado pelas elites políticas (HAAS, 1992). Segundo Howlett (2018) o conceito é compatível com o MFM.

Já definidos os conceitos basilares necessários para a análise e o modelo teórico a ser empregado, segue a discussão dos procedimentos metodológicos e a apresentação dos resultados empíricos mediante o MFM e análise de agenda.

2. Aspectos metodológicos

A estratégia metodológica adotada é de natureza mista (mixed methods research), pois combina diferentes tipos de métodos (qualitativos e quantitativos) para fornecer uma compreensão mais elaborada do fenômeno de interesse e seu contexto (JOHNSON; ONWUEGBUZIE; TURNER, 2007). Da mesma forma, a pesquisa pode se enquadrar como um estudo de caso ao se tratar de uma investigação empírica que analisa um fenômeno específico e seu contexto mantendo seu caráter unitário (YIN, 2005; GIL, 1994).

A principal técnica de pesquisa empregada foi a revisão bibliográfica, no intuito de contextualizar o objeto de pesquisa frente aos estudos relacionados (GIL, 1994). As categorias analíticas partiram do MFM (KINGDON, 2014), e a segunda técnica empregada foi a de análise de conteúdo (BARDIN, 1991). Nesta sequência o levantamento de indicadores quantitativos foi de fontes secundarias, como organismos internacionais e organismos oficiais do Uruguai. Em última instância, a análise da introdução da e-democracia nas agendas de e-gov do Uruguai, foi norteada por categorias extraídas a partir da literatura especializada e detalhadas no processo de acoplamento dos fluxos (SHIRAZI, 2009; ONI, et al., 2016; LINDNER, et al., 2016; SMITH, 2009; CLIFT, 2004).

3. Aplicando o Modelo dos Fluxos Múltiplos

Em seguida, interessa analisar a trajetória do Uruguai na construção de uma robusta política de governo eletrônico que incorpora, progressivamente, pautas de democracia digital na agenda de política pública. O espaço temporal da análise abarca o intervalo da primeira metade da década de 2000 até o começo do ano 2020. Neste sentido, mediante o MFM, são analisados os fluxos que convergiram na criação das janelas de oportunidade que, posteriormente, possibilitaram a incorporação de novos produtos públicos no âmbito do governo digital.

3.3 O fluxo dos problemas

Em linhas gerais, a análise do fluxo de problemas tem gênese no transcurso de uma provável critical juncture3, na primeira metade da década de 2000. Particularmente, no ano de 2002, o Uruguai atravessou uma forte crise econômica com vários desdobramentos na sua dinâmica política e social (PLAZA; SIRTAINE, 2005; BUQUET; CHASQUETTI, 2005). Como problemas, detectam-se: i- a brecha digital do país como um desafio nacional; ii- algumas fissuras na institucionalidade democrática e na credibilidade do governo; e, iii- modesto desempenho do e-governo, e consequentemente, limitações no desenvolvimento da e-democracia.

Os indicadores da Figura 2, ilustram o status quo do acesso a TICs na população uruguaia, no contexto da chamada “virada à esquerda” (PARAMIO, 2006). Note-se que a brecha digital é nítida, refletida nos 89% dos domicílios sem conectividade em 2004. Ao mesmo tempo, percebe-se o limitado gasto do governo em TICs. Isto pode ser explicado, em parte, pela falta de uma política de modernização estratégica, coordenada e bem estruturada (LANDINELLI; RIVOIR, 2018); e por fatores “sistémicos” decorrentes da crise econômica que inviabilizaram investimentos públicos em difusão de TICs (RIVOIR, 2009).

Figura 2 – Porcentagem de domicílios com acesso a TICs e gasto do governo em TICS - Uruguai (2004-2015)

Fonte: Elaboração própria (2020) com dados da CEPAL e do WITSA

Na sequência, apresentam-se indicadores da institucionalidade democrática do país. Prévio à eleição de 2004, a incerteza fruto da crise, afetou a confiança dos cidadãos no governo e nas instituições. Observa-se, na Figura 3, indícios de uma crise de legitimidade no sistema político uruguaio tradicional. No entanto, estes problemas políticos foram mitigados na “transição”, principalmente, pela notável coesão social da população e sua confiança na democracia, diferentemente de outros países da região (GUTIERREZ, 2012).

Figura 3 – Indicadores de confiança no governo, instituições e democracia - Uruguai (2002-2016)

Fonte: Elaboração própria (2020) com dados da CEPAL e do Latinobarómetro

No contexto das reformas e modernização dos Estados latino-americanos (entre finais da década de 90 e começo do século XXI) foram desenhadas as primeiras estratégias de e-governo. No caso uruguaio, a e-institucionalidade desenvolvida até o ano 2002, mediante reformas burocráticas e planos ou agendas de conectividade, não apresentou resultados satisfatórios (POSSAMAI, 2010; RIVOIR, 2009). Um indicador que pode retratar esta situação é o tempo necessário para abrir um negócio que, em média, foi de 46 dias entre 2002 e 2009, segundo dados do Banco Mundial.

Nesta sequência, o letargo parece ser maior no caso da e-democracia, verificado no índice da participação eletrônica. Em síntese, a Figura 4 retrata o limitado performance do governo eletrônico até metade da década de 2000, e, a incipiente democracia digital até começo da segunda década. A razão pode estar na baixa maturidade do governo digital, e o estilo de implementação das primeiras agendas que estavam orientadas a melhorar a infraestrutura (e em alguns casos a criar) e acesso a TICs.

Figura 4 – Desempenho do e-governo e da e-democracia no Uruguai (2003-2020)

Fonte: Elaboração própria (2020) com dados da United Nations E-Government Development Database (UNeGovD).

Nem todo problema público é priorizado pelos atores para ser resolvido e, de fato, alguns tendem a ser ignorados (ROCHEFORT; COBB, 1993). Determinar a razão pela qual alguns assuntos políticos e problemas são priorizados, enquanto outros são descartados é uma tarefa analítica árdua, principalmente porque as escolhas dos policymakers e tomadores de decisão é influenciada pelas mais diversas variáveis (ZAHARIADIS, 2007; BAUMGARTNER; JONES, 2009; KON, 2019).

É provável que a forma conceitual e o recorte dos problemas nesta análise divirjam, em alguma medida, da percepção dos players políticos sobre a “realidade”. Da mesma forma, é possível que certas particularidades dos processos políticos e institucionais não tenham sido abrangidas. Contudo, é evidente que este primeiro fluxo de problemas abre espaço para explicar de forma analítica a trajetória do fluxo das policies.

4.2 O fluxo das soluções (policies)

No caso do Uruguai, a Presidência da República, no primeiro mandato do Frente Amplo (2005-2010) estabeleceu o “Grupo Asesor en Tecnologías de la Información” (GATI), um grupo heterogêneo de experts com a missão de elaborar propostas de política na área de TIC’s (RIVOIR, 2012). Nessa lógica, o GATI pode ser identificado como uma comunidade epistémica (CE), que, dada sua vinculação com as principais elites locais do high-tech no âmbito acadêmico, estatal e empresarial, gozavam do prestígio, treinamento e reputação para influenciar as escolhas do poder executivo.

Segundo Haas (1992) a influência das CE no processo de inovação política está relacionada com a promoção de soluções. A partir de um informe especializado do GATI para a Presidência do Uruguai, cria-se, mediante o artigo 72 da Lei N° 17.930 de dezembro de 2005 a “Agencia de Gobierno Electrónico y Sociedad de la Información y del Conocimiento (AGESIC)”. Identifica-se assim, a emergência da AGESIC como o primeiro produto de policies, do fluxo de soluções.

Trata-se de um órgão com autonomia técnica e financeira, dependente direto da Presidência da República (RIVOIR, 2012). A estrutura da AGESIC é conduzida por um Conselho Diretivo Honorário, composto por membros nomeados diretamente pelo Presidente da República e por cinco Conselhos Assessores Honorários: Sociedade da Informação, Informática Pública, Indústria Privada, Segurança Informática (RIVOIR, 2012). Além disso, a AGESIC conta com representantes de todos os poderes públicos, do âmbito acadêmico e do setor privado.

Os objetivos gerais da AGESIC estão relacionados à institucionalidade e funcionamento dos serviços cidadãos relacionados com TICs, e o desenvolvimento da Sociedade da Informação, enfatizando a inclusão digital da população. De igual forma, é o órgão que coordena todas as políticas associadas ao e-governo. As funções da AGESIC foram diversificadas a partir de 2015, incorporando elementos como inovação digital e governo aberto. Outrossim, o Diretor da AGESIC exerce como o Government Chief Information Officer (GCIO) do país (POSSAMAI, 2010).

As decisões da AGESIC em matéria de e-governo e TICs são unilaterais, limitando a participação e influência de outros atores/órgãos fora do Poder Executivo. Segundo Possamai (2010), trata-se de um órgão de “caráter político” com alta autonomia técnica. Observa-se desta forma que é um arranjo funcional ao empreendimento político. A Figura 5 mostra a evolução do orçamento da AGESIC, que claramente é crescente e com aumentos expressivos a partir do ciclo 2014-2016, o que pode estar relacionado com a diversificação das suas funções, sua consolidação institucional e a nítida confiança do chefe de Estado no órgão.

Figura 5 – Evolução do orçamento da AGEISC – Uruguai (2008-2020)

Fonte: Elaboração própria (2020) com dados da AGESIC

A AGESIC conquistou boa reputação nacional e internacional, sendo reconhecida como “modelo exitoso” de governança do Governo Digital (BID, 2015). Desde seu começo, teve forte interação com agências internacionais de cooperação técnica e financeira como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Rede de Governo Eletrônico da América Latina e o Caribe (GEALC). Além disso, contou com estabilidade burocrática e diretiva durante o a formulação e implementação das diversas agendas de e-governo.

Outro elemento importante de destacar como resultado do fluxo de policies é o Plano de “Conectividade Educativa de Informática Básica para o Aprendizado Online” (CEIBAL), lançado no Uruguai em 2007. Junto com a criação da AGESIC, o Plano conforma o grupo de soluções apresentadas pelos experts para a nova institucionalidade digital do Uruguai. Trata-se de uma iniciativa sem precedentes internacionais pelo seu caráter universalista4, tendo como objetivo dotar de um notebook cada estudante e professor de toda a rede pública de ensino básico (RIVOIR, 2009).

Como bem esclarece Rivoir (2009), o CEIBAL é um programa que não estava contemplado no Plano de Governo apresentado nas eleições de 2004 pelo Partido Frente Ampla. Em consequência, o Plano CIEBAL tratou-se de uma iniciativa de natureza nitidamente política, que foi colocada por iniciativa da Presidência da República. Alguns discursos5 do ex-Presidente Tabaré Vázquez mostraram sua visão sobre a sociedade da informação e seu comprometimento com a inclusão digital do povo uruguaio.

Evidentemente, a partir do binômio AGESIC-CEIBAL derivaram vários outros produtos e inovações políticas no âmbito do e-governo e uso de TICs para fins públicos. Mas, para fins desta pesquisa, interessa captar esses dois elementos essenciais do fluxo de policies porque ao representarem soluções aos principais problemas detectados, acabaram ocupando um papel determinante no processo de take-off do e-gov uruguaio e a emergência da e-democracia.

O último componente relevante, no marco do fluxo de soluções, é o estabelecimento do “Plano de Ação de Governo Aberto” e a adesão do Uruguai ao Open Government Partnership (OGP). Estas “soluções” representam o principal impulso da e-democracia no Uruguai. A ação foi materializada pelo Poder Executivo a recomendação dos experts da AGESIC, pelo decreto N259/012, publicado em 2012. Além disso, as pautas de trabalho assumidas pelo governo uruguaio junto com a OGP influenciaram na inclusão de novos produtos de e-democracia presentes na última Agenda Digital (2016-2020).

4.3 O fluxo da política (politics)

O Uruguai pode ser caracterizado como uma república representativa presidencialista. Em linhas gerais, seu sistema democrático6 representativo tem demonstrado ser um dos mais estáveis na América Latina (GUTIERREZ, 2012). Contudo, na primeira eleição presidencial do século XXI, houve uma mudança política considerada de grande magnitude (BUSQUET; CHASQUETI, 2005). A assunção do Partido Político do “Frente Amplo” (FA) representou uma quebra na hegemonia política por décadas dos partidos tradicionais “Colorado” e “Nacional”.

Neste caso, o FA representa o primeiro partido de centro-esquerda que assume o poder na história democrática do Uruguai. A Figura 6, ilustra o movimento histórico do ciclo político, claramente dominado por partidos de centro-direita. Na eleição Presidencial, a finais do ano 2004, Tabaré Vázquez obteve o 50,6% do total dos votos, resultando na maioria absoluta no primeiro turno. Da mesma forma, o FA obteve 16 de 30 representantes eleitos no Senado, e 52 de 99 deputados na Câmara dos Representantes.

Figura 6 – Blocos de poder no Uruguai (1984-2019)

Fonte: Elaboração própria (2020) com base em Queirolo (2020)

Cabe lembrar que, conforme observado na Figura 3, a confiança dos cidadãos no governo teve melhoras a partir deste momento político. A seguinte eleição de 2009 também foi vencida pelo FA, dessa vez com o José “Pepe” Mujica como Presidente, com 52,3% dos votos válidos no segundo turno. Uma das pautas na campanha da oposição, comandada pelo Partido Nacional, foi a de “passar a motosserra” no gasto público (GARCÉ, 2010) em alusão às políticas fiscais expansionistas e o gasto social do governo Vázquez.

O FA obteve a maioria no Senado, com 16 de 30 representantes e 50 de 99 deputados na Câmera dos Representantes. Apesar da “virada à esquerda” prometida pelo Mujica, seu governo foi moderado e de “continuidade” no âmbito das políticas públicas. Na seguinte eleição de 2014, o FA venceu a disputa pela Presidência. Eleito com 53,48% dos votos válidos no segundo turno, o Vázquez assumiu seu segundo mandato. Na campanha, ele reivindicou sua experiência7 política como diferencial do candidato opositor, Luis Lacalle Pou (LLP), 33 anos mais jovem.

A eleição de 2019 interrompeu a trajetória do FA no governo do Uruguai. O vencedor, LLP do Partido Nacional, obteve a vitória com 48,88% dos votos válidos no segundo turno contra 47,4% do FA. A novidade é uma coalizão de partidos de centro-direita (“Coalición Multicolor”) que conseguiu uma nova maioria no Senado com 17 de 30 representantes, frente a 13 do FA, e 55 deputados na Câmera contra 42 do FA. Os resultados mostram uma nova correlação de forças e, evidentemente, um impacto sobre o humor político nacional.

Porém, como assinala Queirolo (2020), é cedo para reconhecer uma “virada à direita”, porque o país está dividido e a coalizão recém formada apenas desfruta da “lua de mel” do primeiro ano. Sabe-se pouco sobre as crenças do Presidente eleito em relação à política de e-governo8. Mas, em declarações de 2015, reconheceu a “expertise” e “idoneidade” do então diretor da AGESIC, José Clastornik, quem renunciou9 ao seu cargo em março de 2020 depois de 13 anos no comando.

Em síntese, durante três ciclos políticos o FA conseguiu manter a maioria absoluta no Senado e na Câmera. Isto implica uma “boa” governabilidade e menor propensão a ceder e criar acordos com partidos da oposição para levar adiante reformas. Contudo, o FA não foi um bloco homogêneo em termos políticos, mas coeso e capaz de articular um equilíbrio interno. No cenário nacional, como evidenciado na Figura 3, entre 2010-16 cresceu novamente a desconfiança dos cidadãos no governo e instituições públicas, e como novidade, aumentou a desconfiança na democracia.

4.4 O empreendedor político e o acoplamento dos fluxos (coupling)

Para Kingdon (2014) a figura do Presidente é a mais forte no processo de agenda-setting. Sua habilidade para influenciar as instituições mediante a nomeação de atores para cargos-chave, e seus poderes executivos, configuram sua capacidade de ação no processo da política pública. No caso do Uruguai, identifica-se em Tabaré Vázquez, uma proxy de empreendedor político, principalmente pela sua aposta visionária em relação à política de transição à sociedade da informação e do governo eletrônico.

Desde o início do seu governo em 2005, Vázquez pregou uma autêntica modernização tecnológica do Uruguai com valores democráticos e de equidade social (VAZQUEZ; MISSANA, 2009). Entretanto, o discurso foi acompanhado de práxis, como evidenciam os indicadores apresentados ao longo da análise. Entre as escolhas do Vázquez no âmbito da política de e-gov, destaca-se a nomeação do “tipo ideal” de empreendedor político: o engenheiro José Clastornik, como diretor da AGESIC.

Ao longo da sua gestão, Clastornik usufruiu de forte confiança por parte do poder executivo do país. Com uma gestão de ampla autonomia técnica, conseguiu levar adiante em pouco mais de uma década, as principais políticas de dinamização do governo digital que colocaram o Uruguai no topo internacional. Além disso, Clastornik construiu sua reputação individual sendo reconhecido a nível internacional como uma das 100 personagens mais influentes do mundo em governo eletrônico10.

Em seguida, descreve-se o acoplamento dos fluxos (coupling). O background político do período 2005-2019 está caracterizado por um humor nacional favorável para reformas e inovações políticas. A partir do reconhecimento da brecha digital como um problema nacional, diversas ações foram empreendidas, destacando: o Plano CEIBAL e a criação da AGESIC. Isto também está refletido no aumento do gasto público em TICs. Tais empreendimentos contaram com o apoio próximo do poder executivo.

O primeiro momentum, denominado como “Institucionalização e Implantação” (2006-2010), consistiu na criação de um marco normativo, uma infraestrutura de base e a formação de capacidades digitais para cidadania e burocracia. O Uruguai começa o processo de take-off no desempenho do e-gov e aparece a primeira Agenda Digital 2008-2010. Neste ponto a democracia digital é incipiente, com limitadas opções de comunicação unidirecional entre stakeholders e Estado.

O Segundo momentum, denominado como “Expansão”, marcado pela Agenda Digital 2011-2015, representa o impulso definitivo para a universalização das iniciativas de TICs e a aplicação intensiva de tecnologia em setores estratégicos. Os indicadores de confiança política apresentam um leve deterioro, mas a tendência é generalizada para países da América Latina. No contexto do e-gov, o acesso a TICs por parte da população chega a pouco mais do 60% em 2015; o tempo médio de abertura de uma empresa é reduzido em torno de um 86%, caindo de 45 para 6 dias; e para 2014, Uruguai se coloca no primeiro lugar da região, com um EGDI de 0.72, muito próximo do estágio de desenvolvimento “muito alto”.

Neste segundo “estágio”, A gestão do Clastornik já conta com excelente reputação. Analogamente, a AGESIC passa a ter uma forte interação internacional com instituições como a e-Governance Academy (com sede na Estônia) para cooperação técnica; com o BID11, para cooperação financeira; e os índices e resultados atingidos justificam novos aumentos no orçamento do órgão. Talvez este seja o momentum de catch-up que reflete o pressuposto da relação maturidade entre maturidade do e-gov e emergência de democracia digital plena.

A adesão do Uruguai à OGP, em 2012, parece ter sido o autêntico “empurrão” ao processo de desenvolvimento da e-democracia no país. Com a institucionalização da participação eletrônica e do “governo aberto” (mediante o plano nacional), a AGESIC passou a coordenar uma série de compromissos que o Estado uruguaio assumiu com a sociedade através do OGP. No índice de participação eletrônica de 2014, o Uruguai ocupou o terceiro lugar no mundo e recebeu um reconhecimento da ONU12. Além disso, a Agenda Digital incorporou novos mecanismos digitais capazes de gerar bens democráticos.

No terceiro momentum, caracterizado pela “Transformação com equidade”, criou-se a Agenda e o Plano de Governo Digital (2016-2020). O Uruguai conseguiu um EGDI “muito alto”, sendo o primeiro país latino-americano em obter tal resultado. Ademais, consolidou em 2017 sua inclusão no D7, o grupo de países mais digitalizados do mundo. Portanto, o processo de e-gov atingiu um alto grau de maturidade e isto se reflete na rica diversificação dos seus componentes. Consequentemente, os problemas relacionados à brecha digital13 entraram na fase de “declínio” na tipologia de Secchi (2014).

Os resultados mostram que o país avança na construção do chamado “digital wellfarestate” (PEDERSEN; WILKINSON, 2018). As políticas desenhadas na última agenda de e-gov apresentam uma forma diferente de encarar a “brecha”, focando nas dimensões sociais que existem além acesso às TICs. Um exemplo de política multidimensional implementada é o Plano “Ibirapitá14, destinado a promover a inclusão digital (com entrega de dispositivos e capacitação técnica digital) de aposentados e pessoas da “terceira idade” em situação de vulnerabilidade econômica.

Incorporaram-se novas dimensões como a e-saúde, a cyber-segurança, cidades inteligentes, entre outras. A hipótese colocada na discussão teórica, da relação entre maturidade do e-gov e emergência de uma e-democracia com participação ativa, pode ser observada no caso uruguaio. A e-participação passou do nível da informação para o nível da colaboração (engajamento ativo) e a tipologia da e-democracia uruguaia tende a ser participativa (pela ênfase ao acesso universal) com traços pluralistas (pela diversificação das opções) na tipologia do Van Dijk (2012).

Mecanismos de consultas públicas online, maior abertura e disponibilização de dados, observatórios de demandas cidadãs e orçamentos participativos, caracterizam a “combinação de TICs com governo aberto”. Segundo Landinelli e Rivoir (2018) esta equação é a que melhores resultados oferece em termos de e-participação. Uma grande inovação democrática é a criação da agenda em “Cidadania Digital” 2020, uma política de caráter buttom-up, com ampla participação da sociedade e cooperação internacional da UNESCO. Entre as linhas de ação destacam a inclusão digital, a cultura democrática, e o capital cultural. A análise de agenda que retrata a “transição” do e-governo para a e-democracia é detalhada no quadro 2.

As principais categorias de análise são: i- componentes: faz referência aos stakeholders envolvidos no processo (SHIRAZI, 2009) destacando o papel potencial projetado na agenda; ii- diretrizes políticas: retrata a existência de uma diretriz específica de e-democracia. Estas podem ser operacionais (mecanismos técnicos ou normativas), estratégicas (promoção de valores para engajar atores e redes) ou outros eixos (cultura, linguagem, definições, etc.) (ONI, et al., 2016); iii- visão: estabelece o rumo da política e o motivo final da sua implementação (ONI, et al., 2016); iv- objetivo estratégico: é relevante para definir claramente o “ponto de chegada” e serve para medir o “sucesso” ex-post da política (ONI, et al., 2016); vi- órgão de supervisão: define as entidades e esferas institucionais a cargo de levar adiante e monitorar a política (ONI, et al., 2016); vii- nível de participação: serve para mapear o grau de engajamento e pode ser: informação; comunicação ou colaboração (LINDNER, et al., 2016); viii- estilo de implementação: detecta se o processo de e-democracia foi projetado top-down ou buttom-up (LINDNER, et al., 2016); ix- potenciais bens democráticos: são o resultado de “valor democrático” gerado a partir das inovações (SMITH, 2009; WRIGHT, 2012); x- redução do déficit democrático: detecta de que forma as “brechas” (seja em infraestrutura, acesso a canais de participação, etc) são reduzidas (CLIFT, 2004).

Quadro 2 – Incorporação da e-democracia nas agendas de política digital Uruguai (2008-2020)

Fonte: Elaboração própria (2020) a partir das Agendas Digitais e literatura descrita na metodologia

Por fim, a convergência dos fluxos de problemas (brecha digital, pouco investimento em TICs e na política digital; limitada eficiência burocrática do governo e incerteza democrática a partir de certo momento), com o fluxo de soluções (criação da AGESIC, Plano CEIBAL, adesão à OGP e Plano de Governo Aberto), e o fluxo político (humor nacional propício para reformas, evidenciado na maioria absoluta na Câmeras e Senado e nos bons índices de aprovação presidencial), em articulação com a atuação dos empreendedores políticos e suas crenças –ou como apontado por Clastornik et al (2016) “a clear political will of the highest level”–, propiciaram o amadurecimento de uma política robusta de e-governo que serve de estrutura para o florescimento da democracia digital no Uruguai.

5 Considerações finais

O artigo analisou, à luz do MFM, o desenvolvimento da política de e-governo e e-democracia no Uruguai, no período de 2005 a 2015. No primeiro momento, foram definidos os conceitos basilares, sustentando que um e-governo com alto nível de maturidade é condição necessária para a emergência e desenvolvimento de uma democracia digital. Em seguida, foi descrito teoricamente o MFM, observando sua estrutura lógica e analítica, algumas das críticas ao modelo e sua utilização na literatura.

Observa-se um déficit de pesquisas no âmbito latino-americano que utilizem o MFM para análise de políticas públicas. Tal déficit é maior tratando-se especificamente de políticas de e-gov e e-democracia. Por outro lado, a aplicação do modelo consistiu na identificação, análise e acoplamento do fluxo de problemas, soluções e político. A pesquisa arrojou evidencia suficiente para testar a hipótese sustentada na discussão teórica.

Em linhas gerais, os resultados mostram a convergência dos fluxos: (i)- problemas de acesso a TICs, limitado performance administrativo e burocrático do setor público, e incerteza democrática em determinados momentos; (ii)- soluções com viabilidade técnica e política (AGESIC, Plano Ceibal, Plano de Governo Aberto e Adesão à OGP), amplamente apoiadas e bem recebidas pelos atores chave; (iii)- humor político nacional bastante propício para o empreendimento de reformas (maioria absoluta nas Câmaras e estável popularidade do executivo).

O papel dos empreendedores políticos (identificados como Tabaré Vázquez e José Clastornik) foi essencial no coupling dos fluxos e aproveitamento da janela de oportunidade de mudança. Em pouco mais de uma década de políticas, o Uruguai tem se posicionado como um importante player internacional em matéria de e-gov e e-democracia. A análise de agendas mostrou especificamente a inserção de elementos de e-democracia, destacando a mudança no estilo de implementação de top-down para buttom-up, evidenciado nos níveis de interação colaborativos entre Estado e stakeholders e na geração de novos bens democráticos.

A conjuntura recente marcou a saída dos empreendedores políticos do poder, e a assunção de uma nova camada de líderes, com outro sistema de crenças e valores. A instabilidade causada na AGESIC se perfila como um elemento de tensão para a trajetória da política de e-governo. Recentemente, aconteceram demissões na AGESIC, comandadas desde a Presidência da República, e houve contestação sindical e política por parte dos trabalhadores.

Uma das limitações da pesquisa pode ser a falta de detalhe sobre políticas específicas. Da mesma forma, optou-se por omitir a questão conjuntural da pandemia do COVID-19, seu impacto e implicações para a política de e-gov. Recomenda-se a realização de novas análises de política similares, considerando casos de outros países afim de realizar análises comparativas. Também se recomendam futuras análises da trajetória do Uruguai, considerando a variável exógena do COVID-19 e a nova conjuntura política, ou análises no mesmo espaço temporal com novos recortes no âmbito departamental ou municipal.

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1 Refere-se, por exemplo, a fóruns políticos online liderados por cidadãos, debates políticos em mídia social, etc. Cf Bruns (2008).

2 O Kingdon (2014) faz referência ao ‘policy primeval soup’ onde as ideias de soluções flutuam, sendo algumas aceitas e outras rejeitadas pelos tomadores de decisão. Normalmente os atores “desenvolvem” as soluções antecipando problemas futuros até encontrar o momento idóneo para introduzir tais soluções.

3 O conceito de conjuntura crítica refere-se a situações de incerteza em que as decisões de atores importantes são causalmente decisivas para a escolha de um caminho de desenvolvimento institucional em detrimento de outros caminhos possíveis (CAPOCCIA, 2016). No caso uruguaio, o país atravessava uma forte crise económica e política, exacerbada em 2002.

4 A política está baseada no projeto One Laptop per Child (OLPC) do Massachussets Institute of Technology (MIT), em autoria de Nicholas Negroponte a finais de 2005. Cabe destacar que o Plano CEIBAL já recebeu diversos reconhecimentos internacionais, um destes foi o “Primeiro Lugar” na “Feira do Conhecimento” de 2010, em Marrocos, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

5 Exemplo de discurso: https://www.presidencia.gub.uy/Comunicacion/comunicacionNoticias/vazquez-decimo-aniversario-agesic

6 O Índice de Democracia do The Economist, classificou em 2018 o Uruguai como o único país “plenamente” democrático de América do Sul, figurando entre os primeiros 15 países democráticos a nível mundial.

7 Contexto do debate político: https://www.elpais.com.uy/informacion/politica/anos-elecciones-nuevo-triunfo-frente-amplio-tabare-vazquez.html

8Em março de 2015, Lacalle manifestou em entrevista para o canal 180UY, seu interesse pelo e-governo e se mostrou mais ou menos em desacordo com gestão do FA em matéria de TICs.

9 Contexto da saída de Clastornik: https://www.montevideo.com.uy/Ciencia-y-Tecnologia/Jose-Clastornik-se-despide-de-Agesic-tras-mas-de-13-anos-como-su-director-ejecutivo-uc745838

10 https://www.gub.uy/agencia-gobierno-electronico-sociedad-informacion-conocimiento/comunicacion/noticias/jose-clastornik-es-reconocido-100-personas-influyentes-del-mundo-gobierno

11 https://www.gub.uy/agencia-gobierno-electronico-sociedad-informacion-conocimiento/comunicacion/noticias/bid-apoya-gobierno-electronico-en-uruguay

12 https://www.gub.uy/agencia-gobierno-electronico-sociedad-informacion-conocimiento/comunicacion/noticias/naciones-unidas-premia-uruguay-por-participacion-electronica

13 Segundo a “Encuesta de Uso de Tecnologias de la Información e Comunicación” (EUTIC) 2019, 88% dos domicílios conta com conexão à internet desde finais de 2018.

14 https://ibirapita.org.uy/